Diz o ditado que se o povo soubesse como são feitas as leis e as salsichas, provavelmente, se revoltaria. Na mesma linha, podemos dizer que sabemos como são feitas algumas campanhas de marketing...
O sapo cor–de–rosa
O diretor de arte chegou às 10:30h. Óculos escuros, cabelo molhado...
A menina do atendimento, desesperada, já estava na criação cobrando os anúncios:
– Pelo amor de Deus! O cliente vai viajar, hoje, à tarde e quer ver os layouts pra poder mostrar para o diretor internacional, pois, eles terão uma reunião com a coordenação da América Latina! Assim, eu vou me ferrar porque todo mundo tira o corpo fora!
O diretor de arte não tinha, ainda, achado aquela sacada gráfica, entende?
– Pelamordedeus! Pelamordedeus! Pelamordedeus! - grita a menina do atendimento.
O diretor de arte, sem tirar os óculos e nem dizer uma palavra, senta na frente do computador pensando: "Que saco! Só um mês de prazo, o redator fez os títulos só há duas semanas... Assim, não dá pra trabalhar!"
Quinze minutos depois, os layouts estão saindo da impressora. O redator vê os anúncios e comenta:
– Por que um sapo cor–de–rosa?
– Sei lá! É uma imagem bonita, instigante… - diz o jovem diretor de arte.
– Mas, o anúncio é de eletrodoméstico! O que é que tem a ver?
O diretor de arte não queria entregar que não pensou em nada e que aquele sapo era a única imagem que tinha no arquivo do computador. Contudo, nem deu tempo de que ele inventasse uma justificativa.
– Daquí esse troço que eu tô com pressa!
No caminho indo para o cliente, no carro, o diretor de atendimento vê, pela primeira vez, os anúncios para poder dizer na reunião que tinha acompanhado o processo criativo todo, inclusive, direcionado a criação para não perder o foco da campanha e dar destaque ao sapo cor–de–rosa.
– Sapo cor–de–rosa? Que droga é essa de sapo cor–de–rosa, aqui, nesse anúncio!?
– Sei lá! Foi a criação que fez! Eu não sei de nada! Só cobrei os caras.
O diretor de atendimento não podia jogar fora o anúncio, pois, era o único em que o título fazia uma vaga menção ao produto. Teve que pensar em uma saída.
Chegaram ao cliente, uma imensa multinacional. Estão na sala de reunião com toda a equipe de marketing da empresa. O diretor de atendimento, uma velha raposa, apresenta o layout do sapo rosa, falando da necessidade de um property para a marca e a importância do impacto que a comunicação deve ter junto às donas de casa; que uma imagem altamente diferenciada não permite a indiferença do público-alvo e que um sapo, com certeza, sensibiliza a donas de casa de qualquer classe, além do fato dele ser rosa (uma cor altamente ligada ao universo feminino) anularia toda a imagem negativa do anúncio em questão.
– Seja o que Deus quiser...
O diretor de marketing da multi ouviu tudo sem mudar sua expressão de jogador de pôquer. Houve aquela pausa que prenuncia hecatombes.
– O que vocês acham? - perguntou o chefão de marketing para seus comparsas.
As respostas vieram pela ordem crescente na hierarquia local:
– Um pouco estranho.
– Bem estranho.
– Estranho é apelido.
– É, sem dúvida, a coisa mais estranha do mundo.
– Uma merda.
– Eu até que gostei do sapo cor–de–rosa - disse o chefão de marketing.
As mudanças de opinião seguiram a ordem decrescente.
– Uma merda que pode dar certo.
– Sem dúvida, se é a coisa mais estranha do mundo, é porque tem um certo appeal racional, algo de especial.
– Especial é apelido.
– Bem especial.
– Ainda, acho um pouco estranho - disse o mais baixo na hierarquia que, por manter sempre sua opinião, foi despedido alguns meses depois.
No final, valeu democraticamente a lei do mais forte. O diretor de atendimento voltou para a agência pensando por que raios o chefão do marketing gostou do sapo cor–de–rosa. "Será que a idéia é boa? Não, não! Impossível sair coisa boa da criação. Por que o chefão gostou? Na verdade, eu é que sou um puta vendedor. Eu sou foda!"
Na verdade, o chefão de marketing não sabia por que raios tinha aprovado aquele anúncio do sapo cor–de–rosa. Ele estava divagando sobre sua casa de campo, olhando como era gostosa aquela menina da agência que fala rápido e não prestou muita atenção no que o cara da agência falava. Mas, para falar tanto, ele devia estar falando coisas importantes. Não pegava bem passar por ignorante na frente de seus subalternos. E, agora, o chefâo de marketing está num avião, levando numa pasta branca de papel–cartão um sapo cor–de–rosa que deve ser apresentado para um chefe que é mais chefe que ele. "Vou ter que enrolar os gringos", pensou.
A reunião com o pessoal da América Latina começou com um clima tenso. Nenhum dos diretores de marketing, dos vários países onde a empresa atuava, tinha um trabalho decente para mostrar. Quando o diretor de marketing do Brasil mostrou o anúncio do sapo cor–de–rosa foi um alívio geral. Todo mundo começou apoiar a idéia do brasileiro. Pelo menos, assim, ninguém precisava justificar seu próprio fracasso.
– Me gusta mucho el sapo rosado.
– Sin duda tenemos un simbol.
O coordenador de marketing para toda a América Latina - o big–boss de todo mundo ali – não falava bem castelhano.
O big–boss dos cucarachas, como secretamente se autodenominava o coordenador de marketing para toda a América Latina, telefonou para a matriz, no dia seguinte, dizendo que havia unanimidade em torno de um conceito – Amazing concept – desenvolvido pelo marketing de Buenos Aires, ou será de Caracas? – I don't know, só sei que é de um lugar do Brazil.
O anúncio do sapo cor–de–rosa e o big–boss dos cucarachas estavam a caminho da matriz, em Atlanta. O chefão estava tranquilo em relação ao sapo. Todos os diretores de marketing da América Latina haviam feito reports provando a viabilidade da estranha personagem anfíbia. Que os reports foram feitos para agradar a ele, o big–boss, ninguém contou. Nos reports havia números e números fazem até um sapo cor–de–rosa existir. O coordenador de marketing para toda a América Latina entrou às 8:00h na sala do seu chefe, que estava reunido com toda a presidência da grande empresa multinacional de eletrodomésticos. Debaixo do braço, um sapo cor–de–rosa. Reunião de portas fechadas.
Às 8:05h, a secretária escutou alguém gritar na sala:
– What a hell is that??!!??
Passaram–se seis meses.
O diretor de arte chegou às 11:00h. Óculos escuros, cabelo molhado. A menina do atendimento havia deixado um grosso fichário na mesa da dupla de criação. Na capa do fichário lia–se: The Pink Frog. No fichário havia todas as normas de utilização do Pink Frog: o tipo de sapo que deve ser utilizado; qual a tonalidade do cor–de–rosa; as melhores posições em que deve ser fotografado; a proporção que deve ter o sapo, perdão, o Pink Frog, em relação ao formato do anúncio. Havia até a recomendação de que usassem sapos vivos e pintasse o sapo por computador para evitar problemas com os ecologistas. O sapo foi completamente dissecado em duzentas páginas.
Por conta do sapo cor–de–rosa, muita gente foi promovida. Tanto no cliente quanto na agência.
– Puxa que legal! Eu sempre quis ser diretora de contas e mandar nesses babacas! - disse a menina do atendimento
Todo mundo se deu bem, menos o diretor de arte. Parece que o cliente pediu a cabeça dele porque ele não seguiu as normas de aplicação do Pink Frog e colocou em risco a seriedade do marketing do cliente.
Fonte: TARDIN, Vicente. Branding - Planejamento - Propaganda. Acesso em: 12 de dezembro de 2001. Disponível em http://migre.me/4lPQo
Revisado e Editado por: Hágabe de Carvalho
Fonte: TARDIN, Vicente. Branding - Planejamento - Propaganda. Acesso em: 12 de dezembro de 2001. Disponível em http://migre.me/4lPQo
Revisado e Editado por: Hágabe de Carvalho
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